Resgate

Flores para Isabela
Já não era como antes. Ela não tinha este olhar escorregadio, nem estes gestos vazios de
sentimento. Era sutil. De poucas, mas bonitas palavras. Indiferente, nunca foi.
Isabela?
Ãhm?
Onde você perdeu a vida?
Já não era como antes. Ela não tinha este olhar escorregadio, nem estes gestos vazios de
sentimento. Era sutil. De poucas, mas bonitas palavras. Indiferente, nunca foi.
Isabela?
Ãhm?
Onde você perdeu a vida?
* * *
Quando Ana e Carlos deixaram o hospital com Isabela nos braços, chovia e fazia muito frio. Era o dia que pede conforto, nas palavras de Ana.
Ela adorava dias assim. E realmente sabia sentir a chuva. Era como se cada pingo d’água que tocasse o chão fosse um fragmento seu. Todos eles juntos faziam Ana. Ana sorridente, tranqüila. Ana ruiva. Seus olhos, azuis.
Carlos gostava de capuccino. Era artista plástico e bem alto. Cabelos encaracolados e sobrancelhas expressivas. Sabia usar as cores como ninguém.
- Ela é perfeitinha! Pena que não tem meus olhos!
Ana ri.
- Tomara é que não tenha a sua teimosia!
Isabela foi a convergência de sonhos e risadas. De duas vidas que se cuidavam. De noites apaixonadas e planos milimétricos. Teve uma infância perfeita. Fotos, passeios ao zoológico, tombos de bicicleta, dentinhos que caem e crescem novamente, amigos e bonecas.
- Isabela, molhe somente as flores vermelhas!
Treze anos. Bonecas, só para enfeite. Passeios ao shopping. Cabelos encaracolados e muito compridos. Isabela adorava ficar observando as pessoas. Todas tinham algo que fugia a seus olhares, muito interior, muito íntimo. Algo que se esconde ao menor sinal de fragilidade.
- Todos são assim... Quanto de mim é estranho aos outros?
Quinze anos e dois meses. Isabela alta, saia xadrez, vento frio. Primeiro beijo. Filosofia e poesia. Perguntas sem resposta.
- Você é Isabela? São para você. Mandaram entregar.
- São de quem?
- Tem um envelope entre as rosas.
Dezesseis anos. Uma Isabela decidida. Poesia, Belle and Sebastian e Kundera. Porta do quarto fechada. Telefonemas na madrugada. Chuva fina. Palavras doces. Eu sei que vou te amar.
- O pai não vem jantar em casa outra vez?
- Não. Está trabalhando em uma encomenda. Disse que vai chegar tarde.
Ana sem sono. A televisão sempre faz o tempo passar mais rápido. Sofá confortável. Carlos ausente. Ontem cinco minutos; hoje dez e mais um jantar. Isabela em sono sereno. Respiração silenciosa. Ana abatida.
- Chegou tarde ontem
- ...
- Estava no atelier?
- Trabalho lá, não?
- Só perguntei...
Isabela quieta. Algo estranho no ar, sublimado entre olhares que não se cruzam.
- Mais café, minha filha?
- Não... Já acabei
Flores murchas no vaso sobre a mesa. Ana distante. Isabela observadora. Carlos irritado. Manhã chuvosa. Ana de aniversário. Carlos esquecido. Isabela troca as flores do vaso, e compra um presente para Ana. Carlos não aparece.
- Pai, você não vem?
Noite carregada. Isabela vai encontrar Carlos no atelier. Portas trancadas. Luz acesa. Vozes agitadas. Um olhar através da vidraça desvenda os desencontros.
- Carlos, você tem que falar com sua mulher
- Tenho que ter um tempo, você sabe disso!
- Mas tem que ser logo, eu não gosto dessa situação.
- Eu vou falar na hora certa, e ainda não é agora. Olha o que eu trouxe para você!
- Que lindas...
Isabela volta para casa. Ana desfragmentada. Isabela vai até o jardim. Flores cortadas. Ana chora ao telefone. Isabela vai para seu quarto. Refúgio. Silêncio.
- Isabela, você costumava molhar o jardim. Ele está secando
- Eu sei, mãe...
Ela adorava dias assim. E realmente sabia sentir a chuva. Era como se cada pingo d’água que tocasse o chão fosse um fragmento seu. Todos eles juntos faziam Ana. Ana sorridente, tranqüila. Ana ruiva. Seus olhos, azuis.
Carlos gostava de capuccino. Era artista plástico e bem alto. Cabelos encaracolados e sobrancelhas expressivas. Sabia usar as cores como ninguém.
- Ela é perfeitinha! Pena que não tem meus olhos!
Ana ri.
- Tomara é que não tenha a sua teimosia!
Isabela foi a convergência de sonhos e risadas. De duas vidas que se cuidavam. De noites apaixonadas e planos milimétricos. Teve uma infância perfeita. Fotos, passeios ao zoológico, tombos de bicicleta, dentinhos que caem e crescem novamente, amigos e bonecas.
- Isabela, molhe somente as flores vermelhas!
Treze anos. Bonecas, só para enfeite. Passeios ao shopping. Cabelos encaracolados e muito compridos. Isabela adorava ficar observando as pessoas. Todas tinham algo que fugia a seus olhares, muito interior, muito íntimo. Algo que se esconde ao menor sinal de fragilidade.
- Todos são assim... Quanto de mim é estranho aos outros?
Quinze anos e dois meses. Isabela alta, saia xadrez, vento frio. Primeiro beijo. Filosofia e poesia. Perguntas sem resposta.
- Você é Isabela? São para você. Mandaram entregar.
- São de quem?
- Tem um envelope entre as rosas.
Dezesseis anos. Uma Isabela decidida. Poesia, Belle and Sebastian e Kundera. Porta do quarto fechada. Telefonemas na madrugada. Chuva fina. Palavras doces. Eu sei que vou te amar.
- O pai não vem jantar em casa outra vez?
- Não. Está trabalhando em uma encomenda. Disse que vai chegar tarde.
Ana sem sono. A televisão sempre faz o tempo passar mais rápido. Sofá confortável. Carlos ausente. Ontem cinco minutos; hoje dez e mais um jantar. Isabela em sono sereno. Respiração silenciosa. Ana abatida.
- Chegou tarde ontem
- ...
- Estava no atelier?
- Trabalho lá, não?
- Só perguntei...
Isabela quieta. Algo estranho no ar, sublimado entre olhares que não se cruzam.
- Mais café, minha filha?
- Não... Já acabei
Flores murchas no vaso sobre a mesa. Ana distante. Isabela observadora. Carlos irritado. Manhã chuvosa. Ana de aniversário. Carlos esquecido. Isabela troca as flores do vaso, e compra um presente para Ana. Carlos não aparece.
- Pai, você não vem?
Noite carregada. Isabela vai encontrar Carlos no atelier. Portas trancadas. Luz acesa. Vozes agitadas. Um olhar através da vidraça desvenda os desencontros.
- Carlos, você tem que falar com sua mulher
- Tenho que ter um tempo, você sabe disso!
- Mas tem que ser logo, eu não gosto dessa situação.
- Eu vou falar na hora certa, e ainda não é agora. Olha o que eu trouxe para você!
- Que lindas...
Isabela volta para casa. Ana desfragmentada. Isabela vai até o jardim. Flores cortadas. Ana chora ao telefone. Isabela vai para seu quarto. Refúgio. Silêncio.
- Isabela, você costumava molhar o jardim. Ele está secando
- Eu sei, mãe...
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